Antônio Samuel Ribeiro de Sousa[1]

Assis Daniel Gomes[2]

Palavras – chave: Quixadá. Representações. Cotidiano.

Objetivos

Este trabalho faz parte do Projeto artístico-cultural “Alegoria do Patrimônio: natureza, técnica e imagens cruzadas do sertão-central cearense” (NATIMA), iniciado em fevereiro de 2018. Esse projeto é integrante do programa de bolsas de iniciação artística oferecidas pela Universidade Estadual do Ceará, tendo como espaço de atuação a FECLESC que tem como intenção ligar a pesquisa, o ensino e a extensão. As atividades realizadas por esse projeto se dividiram em dois blocos: 1- pesquisa sobre a História e o Patrimônio Cultural do sertão-central do Ceará; 2- intervenções nas escolas públicas por meio de oficinas sobre a pesquisa realizada. Essas atividades foram realizadas por três bolsista: Antônio Samuel; Fabricia Santos e Rita de Cassia. Todos os integrantes fazem parte do curso de História da UECE- FECLESC, bem como o projeto é coordenado pelo professor Assis Daniel Gomes. Nesta primeira exposição sobre as ações realizadas pelo NATIMA, escolhemos tratar a temática Cotidiano e Patrimônio Cultural da cidade de Quixadá nos anos de 1920. Segundo Gomes (2018), a construção de uma representação sobre o cotidiano urbano quixadaense está ligada a invenção de sua identidade e demarca também um processo histórico do Brasil, haja vista que as fotos que analisamos está imerso na chamada Primeira República ou “República Velha”.

O diálogo proposto neste trabalho está vinculado a fotografia como fonte de pesquisa para a História, usamos aquelas que foram coletadas e catalogada pelo grupo NATIMA, por exemplo, uma das instituições pesquisadas para essa coleta foi o Museu Histórico Jacinto de Sousa localizado na praça da Estação em Quixadá. De início, a instituição era conhecida como Museu Histórico de Quixadá, mas em nome do artista plástico Jacinto de Sousa, o prédio recebeu o seu nome.

Jacinto de Sousa foi um artista muito conhecido pelo seu talento em fazer arte através da escultura, e por ser fotógrafo em sua época – um autodidata das artes visuais que teve visibilidade no Nordeste brasileiro. O museu que recebeu o seu nome tem o propósito de preservar a memória cultural da cidade de Quixadá, através de imagens fotográficas, maquetes e demais objetos antigos.

Justificativa/Problematização

A fotografia colocado abaixo, retrata a praça José de Barros e a Igreja Sagrado Coração de Jesus. A fotografia retrata o cotidiano naquela época, apresentando a circulação das pessoas pela praça e o seu uso enquanto um lugar de sociabilidade.

Figura 1. Praça José de Barros em 1920.

Sem título

Fonte: Acervo de fotos do museu Jacinto de Sousa.

A fotografia enquadrou um local que irá ser uma referência local muito forte nos anos posteriores, é o perímetro urbano da cidade, é o coração da cidade e sua representação. A praça José de Barros que futuramente será conhecida como a Praça do Leão, nesse período era palco receptor de eventos que aconteciam para enaltecer e valorizar essa cidade, tais como, quadrilhas, carnaval, festas religiosas, etc. A praça mesmo sendo de mera importância para esses movimentos, o que chama bem a atenção é o fato das pessoas irem a praça para se encontrarem, trocarem ideias, namorarem. Portanto, para Gomes (2016), a praça é o lugar da ordem, mas também da desordem, do amor e do desamor, é o lugar do encontro e do desencontro.

Esse já é um ponto a ser discutido, pondo em questão o seguinte: Quais os desencontros que nesse espaço aconteciam? Como ele era utilizado, por exemplo, pelas prostitutas e pelos mendigos existentes na cidade? Ligando ao presente, pensamos como as pessoas não tem mais esse costume de ir ao encontro do outro para dialogar nesses espaços, essa cultura foi sendo tomada aos poucos pela tecnologia e o diálogo virtual. Essa fotografia criada pelo olhar do fotógrafo buscou definir um espaço e esqueceu os sujeitos que estavam a sua margem, também demostra as transformações arquitetônicas ocorridas nele durante os anos aqui analisados.

Outra coisa que a fotografia nos reserva, é a estrutura da Igreja Matriz que aparece ao fundo da imagem. Algo que é de chamar atenção nessa estrutura, é o fato de seu relógio ter uma carga cultural antiga, pois, se observarmos com atenção para ele vemos que além de ter os números em algarismo romano, o número “IV” – verificamos que a estrutura carregava elementos da situação econômica e social quando foi fundada em 1784, reformada em 1895. Contudo no século XX, a sua estrutura arquitetônica será ampliada com a construção do Colégio Sagrado Coração de Jesus em 1938. Enfim, o patrimônio material representado pela fotografia queria fortalecer a imagem de uma cidade moderna, que Quixadá não era, mas mostrar instituições e prédios que simbolizasse um crescimento material foi utilizada para propagar essa imagem idealizada sobre ela.

Metodologia

Para se chegar até esse ponto de composição de ideias a partir de imagens, houve todo um movimento do grupo (NATIMA) para que esse feito se tornasse algo discutível. Primeiramente foi trabalhado através de textos como os de Roger Chartier (1991) e Ana Mauad (2014), buscando deixar claro o conceito de representação e o uso da fotografia como fonte para a História. A discussão dos textos desses autores nos proporcionou uma visão mais clara de como olhar para imagens seja ela fotografia ou discursiva.

Em um segundo momento, o grupo partiu em busca de imagens antigas que representasse a cidade de Quixadá – Ceará, para isso se delimitou o recorte temporal entre 1854 e 1964. O grupo procurou essas fotos em bibliotecas, museus, e sites que trabalhavam com objetivo de arquivar esse material, por exemplo o site da Faculdade Católica de Quixadá e blogs de teor memorialista que expõem imagens que foram tiradas nos anos escolhidos para a pesquisa. Após a coleta das imagens foi feita uma catalogação das mesmas através de duas fichas distintas: uma referida as questões técnicas da fotografia e outra aos elementos históricos. Para cada integrante do grupo, ficou à disposição a escolha de uma das imagens para a produção do trabalho para este evento científico.

O foco da escolha da fotografia para a análise partiu por verificar a vida comum (CERTEAU, 1993) dos habitantes daquele espaço urbano; buscamos, assim, as fotos que representassem o cotidiano da cidade e o seu patrimônio material, especificamente o vinculado aos seus monumentos religiosos. Entendemos tanto as fotografias, como o patrimônio “pedra e cal” enquanto documento-monumento (LE GOFF, 1990), produzidos num tempo e espaço determinado. Como também que a fotografia é um monumento do privado (BARTHES, 1982). Portanto, conforme Gomes, “a fotografia deve se transformar em imagem onde esse caráter individual se demuda em um simbólico coletivo. É, portanto, essa perspectiva que também buscaremos olhar as fotografias, ou seja, a sua transformação em imagem” (2018, p.01).

Considerações Finais

O trabalho através da imagem provavelmente será mais complexa para os futuros historiadores, pois, a probabilidade de perca das fotografias é muito mais constante por conta dos novos meios de arquivar fotografias, bem como a construção de novas metodologias que possam ajudar a questionar essas novas formas de arquivamento, como as redes sociais. Pouco se vê atualmente uma foto impressa, pois, o hábito de tirar foto tornou-se algo universal e pessoal de cada indivíduo. Tentamos aqui iniciar uma análise das fotografias também pertencentes a essas novas formas de arquivamento. Enfim, vimos como a construção das representações do centro da cidade foram feitas pelas fotografias e quais os silêncios que elas guardavam em suas sombras, por exemplo.

Referências Bibliográficas

BARTHES, Roland. A mensagem fotográfica. In: BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Lisboa: Edições 70, 1982.

CATROGA, Fernando. Nação, mito e rito: religião e comemoracionismo (EUA, França e Portugal). Fortaleza: Edições NUDOC/Museu do Ceará, 2005.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Rio de Janeiro: Vozes, 1993.

__________________. A escrita da história. São Paulo: Forense Universitária, 1993.

CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados. vol.05, nr.11, jan/abr. 1991.

DIAS, Maria Odila. Hermenêutica do quotidiano na historiografia contemporânea. Proj. História, São Paulo. 1998.

FERREIRA, Luciana Moura. Memória social, imaginário e representação no álbum do centenário de Sobral – 1941. 162 f. Dissertação (pós-graduação) – Coordenação do Curso de Pós-graduação em História e Culturas, Universidade Estadual do Ceará, 2010.

GOMES, Assis Daniel. Alegoria do patrimônio: natureza, técnica e imagens cruzadas do sertão-central cearense. Projeto Natima: Uece, 2018.

__________________. “Faça-se luz”: a eletrificação urbana no Cariri Cearense (1949-1972). Fortaleza: UFC, 2016.

LEBFEVRE, Henri. La vida quotidiana en el mundo moderno. Madrid, Alianza, 1984.

LEITE, Miriam Lifchitz Moreira. Retratos de Família: leitura da fotografia histórica. São Paulo: EDUSP FAPESP, 1993.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: UNICAMP, 1990

MAUAD, Ana M. Como nascem as imagens? Um estudo de história visual. História: Questões & Debates. Curitiba, n.61, jul./dez., 2014.

MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Memória e Cultura Material: Documentos pessoais no espaço público. Estudos Históricos, 1998, v.21, p.89-103

PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2014.

POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.5, n.10, 1992, p.200-212.

POMIAN, Krzyzlot. História e ficção. Projeto História, São Paulo, (26), jun. 2003, p.11-45.

NOTAS:

[1] Graduando da Licenciatura em História (FECLESC – UECE). Bolsista do NATIMA (Projeto artístico-cultural “Alegoria do Patrimônio: natureza, técnica e imagens cruzadas do sertão-central cearense”). E-mail: antonio.samuel@aluno.uece.br. Esta pesquisa é fruto das pesquisas e experiências vivenciadas no NATIMA.

[2] Orientador e coordenador do NATIMA. Professor do Departamento de História da Universidade Estadual do Ceará (UECE – FECLESC) e doutorando em História Social pela Universidade Federal do Ceará. E-mail: assis.gomes@uece.br.

10 comentários em “ENTRE A HISTÓRIA E A MEMÓRIA: COTIDIANO E CULTURA MATERIAL DE QUIXADÁ NOS ANOS 1920

  1. Olá, Antônio e Assis. Considero as temáticas envolvendo Patrimônio e Memória muito intrigantes na historiografia. Achei interessante o questionamento do trabalho quanto os encontros e desencontros, assim como o relacionamento da população de Quixadá, em especial, os grupos marginalizados, como prostitutas e mendigos, que também possuem uma participação no desenvolvimento histórico da cidade. Logo, a minha dúvida é, como se dá a atuação destes dois grupos na Praça do Leão? E como estas informações se apresentaram na pesquisa?

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    1. Olá Renata Nakamine, adorei suas observações. Esta pesquisa busca trabalhar com a ideia de desconstrução do que está cristalizado na imagem fotográfica. Dentro do processo de pesquisa, foi possível observar que a população quixadaense em seu processo de construção era muito pobre, e sabe-se que a pobreza é um dos fatores determinantes para a presença dos grupos marginalizados dentro da sociedade. Portanto, essas informações se apresentam na pesquisa como uma forma de desconstrução do que o fotógrafo buscou enquadrar.

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  2. Boa tarde A. Samuel, muito bom a utilização da imagem para o entendimento do assunto. A utilização da imagem faz com que o leitor se encha de imaginação, podendo assim, comparar o antes e o agora, e pensar nos fatos que levaram a tal mudança.

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    1. Grato Jonas Barros, por ter tirado um tempinho para ler minha pesquisa. O trabalho com fotografias é muito instigante, pois, é uma porta que se abre para um novo diálogo. É uma forma de observação que nos permite a percepção do processo de construção, tendo em vista que tudo sempre esteve, e está em um lento processo de transformação.

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  3. Parabéns pela pesquisa Antônio Samuel, é de grande importância as discussões que você trás. De grande importância ainda é a utilização da fotografia como forma de compreender a história, o cotidiano e a memória construída da cidade citada por você.

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    1. Obrigado Fabricia dos Santos pelas observações. A discussão gerada em torno da fotografia é de fato bem relevante, por conta de que além de ser um um objeto conteudista por destacar diversos elementos do cotidiano de determinada época, também podemos destacar a fotografia como um objeto gerador, tornando-se uma ferramenta indispensável para o historiador.

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  4. Boa tarde!
    seu trabalho destacar uma temática bastante interessante já que através da iconografia podemos analisar os lugares e de como ao longo do tempo as modificações os modificaram.

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    1. Olá boa tarde!
      É muito interessante como a população cria a sua própria identidade local através de determinados elementos criados pelos mesmos, dando a elas o poder representativo. Ao mesmo tempo vemos a fragilidade desses elementos, pois, estão sempre sujeitos a mudanças, tendo como exemplo na minha pesquisa “a praça José de Barros. Partindo desse diálogo é que se gera outro debate muito importante, que é a busca pela preservação dos patrimônios.

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  5. Primeiramente, parabéns pela pesquisa. Trabalhar a cultura material em Quixadá e a memória do cotidiano tendo a fotografia como fonte é uma perspectiva inovadora. A própria história da fotografia é recente, tanto sua existência como os autores que discorreram sobre ela. Transformar a fotografia em imagem e contextualizá-la, ou seja, o que essa representação significava para o seu tempo, será um desafio. É possível também uma discussão sobre o que é o real, afinal, a fotografia expõe a realidade? Ela “congela” o real? Até que ponto o fotógrafo quis transmitir uma realidade através da fotografia? Uma fotografia suscita diversos modos de percebe-la, pontos de vista que é difícil uma percepção em comum. É muito importante analisar o interesse de quem a tirou, pois assim como na pintura o pintor escolhe as cores certas para expressar sua representação, o fotógrafo escolhe o ângulo e a iluminação adequadas para a foto transmitir aquilo que ele deseja. É um trabalho bastante promissor e com certeza, muito contribuirá para a construção do conhecimento histórico nessa temática.

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  6. Olá, obrigado pelas observações. A desconstrução do que está expresso na fotografia é que irá dar segmento no meu texto, justamente no intuito de quebrar a barreira entre o real e o irreal. A fotografia não congela o real, pelo contrário, é apenas uma forma de expressão. Aquilo exposto na fotografia é uma representação do modelo de vida em um determinado tempo. Portanto, no caso da fotografia utilizada no texto, o fotografo buscou enaltecer a cidade de Quixadá destacando a sua estrutura material, deixando de lado outra parcela da cidade, ou seja, os marginalizados.

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